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Súmula de Jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (4º Trimestre de 2023)

20 Maio 2024
Súmula de Jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (4º Trimestre de 2023)
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Súmula de Jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (4º Trimestre de 2023)

20 Maio 2024

Pretende-se, com a presente Informação Fiscal, apresentar uma síntese Trimestral dos principais Acórdãos proferidos pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) relacionados com o domínio da Fiscalidade, analisando, caso a caso, o impacto e o contributo que tais decisões poderão vir a ter, do ponto de vista nacional.

1. 

NÚMERO DO PROCESSO: C‑505/22

NOME: Deco Proteste — Editores, Lda. contra Administração tributária

DATA: 5 de outubro de 2023

ASSUNTO: Reenvio prejudicial — Fiscalidade — Imposto sobre o valor acrescentado (IVA) — Diretiva 2006/112/CE — Operações tributáveis — Artigo 2.°, n.° 1, alínea a) — Entrega de bens a título oneroso — Entrega gratuita de um tablet ou de um smartphone por contrapartida da subscrição de uma nova assinatura de uma revista — Conceito de “prestação única” — Critérios — Artigo 16.°, segundo parágrafo — Afetação a ofertas de pequeno valor efetuadas para os fins da empresa.

FACTOS

A Deco Proteste — Editores (a seguir “Deco Proteste”) é uma sociedade com sede em Portugal que edita e comercializa revistas e diverso material informativo sobre defesa do consumidor.

No âmbito de campanhas promocionais destinadas a atrair novos clientes, a Deco Proteste tem vindo a oferecer aos novos subscritores um presente de subscrição, que pode consistir num tablet ou num smartphone, com um valor unitário sempre inferior a 50 euros.

O referido presente é enviado por correio aos subscritores com as revistas, após o pagamento da primeira mensalidade de subscrição, cujo valor é igual ao das mensalidades subsequentes, não tendo sido fixado nenhum período mínimo de subscrição.

Os presentes de subscrição são adquiridos a sociedades estabelecidas na União Europeia, sendo aplicado o regime de autoliquidação do IVA (reverse charge).

Neste âmbito, e após a realização de um procedimento inspetivo, em 2019, que abrangeu o IVA relativo aos anos de 2015 a 2018, a Administração tributária constatou que as faturas emitidas pela Deco Proteste por ocasião das novas assinaturas mencionavam o valor da assinatura, ao qual era aplicada uma taxa reduzida de IVA de 6%, não contendo nenhuma referência aos presentes de subscrição.

Neste contexto, a Administração tributária viria a considerar que os presentes de subscrição constituíam ofertas nos termos do Código do IVA, embora constatando que o seu valor excedia o limite de cinco por mil do volume de negócios do ano civil anterior, pelo que sujeitou a imposto a entrega daquelas ofertas, considerando como valor tributável o seu preço de aquisição e como taxa de IVA aplicável a taxa normal de 23%.

Após a regularização do imposto, a Deco Proteste decidiu apresentar reclamação graciosa da decisão da Administração tributária, solicitando o reembolso da quantia paga.

Neste contexto, e em momento posterior ao indeferimento da sua pretensão, a Deco Proteste solicitou a constituição do Tribunal Arbitral Tributário (Centro de Arbitragem Administrativa — CAAD) (a seguir “órgão jurisdicional de reenvio”).

No âmbito da sua análise, o órgão jurisdicional de reenvio manifestou dúvidas quanto à interpretação da Diretiva IVA no que diz respeito à aplicação dos princípios da proporcionalidade, da neutralidade e da igualdade de tratamento.
Nestas circunstâncias, o órgão jurisdicional de reenvio decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

“ 1) Nas circunstâncias em que[,] mediante a subscrição de publicações periódicas através de uma assinatura[,] é atribuído aos novos subscritores um brinde (um “gadget”), na aceção do artigo 16.° da Diretiva [2006/12,] essa atribuição deve ser considerada:

a) Como uma transmissão realizada a título gratuito, distinta da operação de assinatura das publicações periódicas?

Ou,

b) Como parte integrante de uma única operação efetuada a título oneroso?

Ou ainda,

c) Como parte integrante de um pacote comercial, constituído por uma operação principal (a assinatura da revista) e outra acessória (a atribuição do brinde), sendo esta última considerada uma transmissão a título oneroso e instrumental à assinatura da revista?

2) Sendo a resposta à primeira questão no sentido de estarmos perante uma transmissão gratuita, é conforme ao conceito de afetação a ofertas de pequeno valor previsto no segundo parágrafo do artigo 16.° da Diretiva [2006/112] a determinação de um limite anual do valor global dos brindes correspondente a um rácio de cinco por mil do volume de negócios do sujeito passivo no ano precedente (a acrescer ao limite do valor unitário)?

3) Se a resposta à questão anterior for afirmativa, deve considerar se que esse rácio de cinco por mil do volume de negócios do sujeito passivo no ano anterior é de tal forma baixo que retira o efeito útil ao segundo parágrafo do artigo 16.° da Diretiva [2006/112]?

4) O referido limite de cinco por mil do volume de negócios do sujeito passivo no ano anterior viola, e tendo em consideração também os fins com que é consagrado, os princípios da neutralidade e da igualdade de tratamento ou não discriminação e da proporcionalidade?”

APRECIAÇÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

O Tribunal de Justiça começou por analisar se a atribuição de um presente de subscrição, por contrapartida da subscrição de publicações periódicas, está abrangida pelo conceito de “entrega de bens efetuada a título oneroso”, na aceção das disposições pertinentes da Diretiva IVA, ou se tais situações se deverão reconduzir-se à atribuição de tal presente, que constitui uma operação distinta da operação de assinatura, devendo ser considerada uma transmissão de bens a título gratuito.

A este respeito, o Tribunal de Justiça determinou que a operação constituída por uma única prestação, no plano económico, não deve ser artificialmente decomposta para não alterar a funcionalidade do sistema do IVA, ainda que possua dois ou mais elementos tão estreitamente ligados que formam, objetivamente, uma única prestação económica indissociável.

Neste contexto, para determinar se o sujeito passivo efetua várias prestações principais distintas ou uma prestação única, há que identificar os elementos característicos da operação em causa, da perspetiva do consumidor médio.

Nestes termos, e por forma a distinguir as prestações principais e acessórias, o Tribunal de Justiça entendeu que o critério a tomar em consideração se traduz na inexistência de finalidade autónoma da prestação do ponto de vista do consumidor médio, tomando igualmente em consideração o valor respetivo de cada uma das prestações que compõem a operação económica, devendo uma revelar se mínima, ou mesmo marginal, relativamente à outra.

Com efeito, e atendendo ao critério acima definido, o Tribunal de Justiça considerou, no caso em apreço, que a assinatura das referidas revistas, por um lado, e a oferta de um tablet ou de um smartphone com um valor unitário inferior a 50 euros por cada assinatura contratada, por outro, formam um todo, constituindo a assinatura das revistas a prestação principal e o presente uma prestação acessória, que apenas tem por objeto incentivar a subscrição de uma assinatura.

Tendo em consideração a resposta conferida à primeira questão, o Tribunal de Justiça entendeu não haver necessidade de responder às outras questões submetidas.

DECISÃO

Em face do exposto, o Tribunal de Justiça concluiu que as disposições relevantes da Diretiva IVA devem ser interpretadas no sentido de que a atribuição de um presente de subscrição, por contrapartida da subscrição de publicações periódicas através de uma assinatura, constitui uma prestação acessória da prestação principal, que consiste na entrega de publicações periódicas, abrangida pelo conceito de “entrega de bens efetuada a título oneroso”, na aceção daquelas disposições, não devendo ser considerada uma transmissão de bens a título gratuito.

IMPLICAÇÕES NO DIREITO PORTUGUÊS

A presente decisão contribui para clarificar o âmbito e alcance das operações suscetíveis de serem consideradas como prestações acessórias.

2.

NÚMERO DO PROCESSO: C‑532/22

NOME: Direcţia Generală Regională a Finanţelor Publice Cluj‑Napoca e Administraţia Judeţeană a Finanţelor Publice Cluj contra SC Westside Unicat SRL

DATA: 23 de novembro de 2023

ASSUNTO: Reenvio prejudicial — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) — Diretiva 2006/112/CE — Artigo 53.o — Prestações relativas ao acesso a manifestações recreativas — Lugar das prestações de serviços — Difusão de sessões de vídeo interativas em streaming — Disponibilização de um local e do material necessário à captura em vídeo de espetáculos, bem como realização de um acompanhamento com vista à apresentação de espetáculos de qualidade.

FACTOS

A Westside Unicat é uma sociedade romena que explora um estúdio de gravação de vídeo e, bem assim, presta a sua principal atividade económica através da comercialização, junto da StreamRay USA Inc. (a seguir “StreamRay”), de conteúdos digitais de natureza erótica, nomeadamente na forma de sessões de comunicação visual em linha e presenciais (a seguir “video‑chats”), efetuadas com modelos.

A StreamRay é uma pessoa coletiva registada nos Estados Unidos da América que difunde em direto, no seu sítio Internet, os vídeos dessas sessões e disponibiliza aos seus clientes, pessoas singulares, a interface necessária para interagir com os modelos.

Na sequência de uma fiscalização tributária relativa à determinação do IVA a pagar relativamente ao período compreendido entre 1 de setembro de 2019 e 30 de junho de 2020, a Administração tributária emitiu, em 13 de novembro de 2020, um aviso de liquidação nos termos do qual a Westside Unicat foi considerada devedora de um montante adicional de IVA de 640.433 leus romenos (aproximadamente 128.723 euros).

Esta decisão da Administração tributária romena baseou‑se no facto de o lugar das prestações de serviços efetuadas à StreamRay dever ser a Roménia, na medida em que se deve considerar que, em conformidade com jurisprudência do Tribunal de Justiça, o lugar de uma prestação de serviços que consiste em propor sessões de vídeo interativas de natureza erótica filmadas e transmitidas em direto pela Internet é o lugar onde o prestador estabeleceu a sede das suas atividades económicas.

Após uma reclamação administrativa infrutífera contra aquele aviso de liquidação, a Westside Unicat interpôs recurso para o Tribunalul Maramureș (Tribunal Regional de Maramureș, Roménia), que deu provimento parcial ao recurso por Acórdão de 19 de outubro de 2021, tendo considerado que a StreamRay era a organizadora das manifestações recreativas em causa, uma vez que permitia aos seus clientes aceder às sessões de vídeo interativas de natureza erótica.

A Administração tributária interpôs recurso daquela decisão na Curtea de Apel Cluj (Tribunal de Recurso de Cluj, Roménia), enquanto órgão jurisdicional de reenvio, alegando que se considera que tanto o organizador da manifestação recreativa como todos os operadores que contribuem para tornar possível o acesso desta manifestação ao público, que atuam em nome próprio, concedem o referido acesso.

Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

“1) Deve o artigo 53.o da [Diretiva 2006/112] ser interpretado no sentido de que é igualmente aplicável a serviços como os que estão em causa no presente processo, ou seja, serviços prestados pelo estúdio de video‑chat ao gestor do sítio web, que consistem em sessões interativas de natureza erótica, filmadas e transmitidas em [tempo] real, através da Internet (streaming em direto de conteúdo[s] digita[is])?

2) Em caso de resposta afirmativa à questão 1, para efeitos da interpretação da expressão “lugar onde essas manifestações se realizam efetivamente” do artigo 53.o da [Diretiva 2006/112], é relevante o lugar onde os modelos surgem perante a webcam, o lugar onde o organizador das sessões está estabelecido, o lugar onde os clientes visualizam as imagens, ou há que tomar em consideração um lugar diferente dos indicados?”

APRECIAÇÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

O Tribunal de Justiça iniciou a sua apreciação considerando que as disposições relativas à localização de prestações de serviços culturais, artísticos, desportivos, científicos, educativos, recreativos e similares, prestações de serviços acessórios dos transportes, peritagens e trabalhos relativos a bens móveis, previstas na Diretiva IVA, não devem ser consideradas como exceção a uma regra geral que deve ser objeto de interpretação estrita.

Ademais, e no que concerne ao alcance daquelas regras, o Tribunal de Justiça determinou que, segundo o seu sentido habitual, o termo “manifestação” designa uma apresentação ao público, podendo daí deduzir‑se, na falta de uma definição específica constante da Diretiva IVA, que o conceito de “prestações […] relativas ao acesso a manifestações”, conforme utilizado na referida Diretiva, deve ser entendido no sentido de que designa prestações de serviços que intervêm a jusante da organização do que é objeto desta apresentação e que visam conceder o acesso do público a esta última.

Esta conclusão é corroborada, de acordo com o Tribunal de Justiça, pelo Regulamento de Execução n.º 282/2011, que precisa que os serviços acessórios a que se refere as disposições em análise da Diretiva IVA incluem os serviços que estejam diretamente relacionados com o acesso a manifestações culturais, artísticas, desportivas, científicas, educativas, recreativas ou similares, prestados separadamente a título oneroso à pessoa que assiste a uma manifestação.

Com efeito, dado que os serviços acessórios são prestados separadamente à pessoa que assiste a uma manifestação, o Tribunal considerou que o serviço principal é o prestado a esta mesma pessoa para efeitos de lhe conceder o direito de acesso à referida manifestação, isto é, pela StreamRay.

Por conseguinte, constatou o Tribunal de Justiça que as prestações de serviços efetuadas por um estúdio de gravação de video chats a favor do gestor de uma plataforma de difusão através da Internet, e que consistem em realizar conteúdos digitais na forma de sessões de vídeo interativas de natureza erótica filmadas por este estúdio para os colocar à disposição deste gestor para efeitos da sua difusão na referida plataforma, não estão abrangidas pelas disposições em análise da Diretiva IVA.

Com efeito, tais prestações não têm por objeto conceder aos clientes o direito de acesso a esses conteúdos, nem prestações acessórias destas últimas, antes constituindo prestações necessárias à difusão dos conteúdos por esse gestor junto dos seus próprios clientes.

Em paralelo, resulta das orientações do Comité do IVA que, quando os serviços relativos a sessões interativas filmadas e difundidas em tempo real através da Internet (video chat, por exemplo) são prestados por um sujeito passivo, que é proprietário do conteúdo digital, a um cliente final (i.e., um espetador), e quando o referido conteúdo foi fornecido àquele sujeito passivo por outro sujeito passivo, o fornecimento do conteúdo digital por este último não consiste em dar acesso a uma manifestação recreativa, na aceção das regras da Diretiva IVA.

Em face do exposto, o Tribunal de Justiça entendeu que as disposições legais em análise da Diretiva IVA devem ser interpretadas no sentido de que não se aplicam a serviços prestados por um estúdio de gravação de video chats a favor do gestor de uma plataforma de difusão, através da Internet, e que consistem em realizar conteúdos digitais na forma de sessões de vídeos interativas de natureza erótica, filmadas por este estúdio, para os colocar à disposição desse gestor para efeitos da sua difusão por este último na referida plataforma.

Tendo em consideração a resposta conferida à primeira questão, o Tribunal de Justiça entendeu não haver necessidade de responder à segunda questão submetida.

DECISÃO

O Tribunal decidiu que a Diretiva IVA deve ser interpretada no sentido de que as suas disposições legais não se aplicam a serviços prestados por um estúdio de gravação de video‑chats a favor do gestor de uma plataforma de difusão através da Internet e que consistam em realizar conteúdos digitais na forma de sessões de vídeos interativas de natureza erótica filmadas por este estúdio para os colocar à disposição desse gestor para efeitos da sua difusão, por este último, na referida plataforma.

IMPLICAÇÕES NO DIREITO PORTUGUÊS

A presente decisão contribui para clarificar as regras relativas à localização de prestações de serviços de multimédia através da Internet.

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Rogério Fernandes Ferreira
Marta Machado de Almeida
Álvaro Silveira de Meneses
Miriam Campos Dionísio
José Nuno Vilaça
João de Freitas Jacob
Joana Fidalgo Barreiro

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