Newsletters

A “ecotaxa” da Madeira, de “taxa” só o nome?

26 Junho 2024
A “ecotaxa” da Madeira, de “taxa” só o nome?
Newsletters

A “ecotaxa” da Madeira, de “taxa” só o nome?

26 Junho 2024

Ao contrário do que o nome indica, a “ecotaxa” da Madeira tem sido considerada pela jurisprudência dos Tribunais Superiores um verdadeiro imposto ambiental.

INTRODUÇÃO

A “ecotaxa” da Madeira remonta ao Decreto Legislativo Regional n.º 8/2012/M, de 27 de abril, que criou o regime jurídico da taxa ambiental pela utilização de embalagens não reutilizáveis na Região Autónoma da Madeira.

No seu preâmbulo, pode ler-se que a “ecotaxa” constitui um mecanismo fiscal de promoção e incentivo à alteração de comportamentos, procurando motivar a redução de artigos que geram resíduos poluentes e encorajar a reutilização em detrimento da reciclagem, com vista à proteção do ambiente e dos recursos naturais na Região Autónoma da Madeira, numa estratégia de promover a responsabilidade social e de desenvolvimento sustentável, no âmbito da Diretiva n.º 2008/98/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de novembro, através da tributação sobre os referidos artigos geradores de resíduos.

Não obstante a sua designação, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo tem entendido que se está perante um verdadeiro imposto ambiental, e não de uma taxa – embora não aponte para qualquer inconstitucionalidade, seja material ou orgânica.

A JURISPRUDÊNCIA DO STA

Tomamos como ponto de partida a linha argumentativa seguida pelo Acórdão do STA datado de 22 de março de 2023 – de resto, seguida por outras decisões judiciais, também proferidas pelo STA, designadamente no âmbito do processo n.º 0210/21.7BEFUN, datado de 3 de maio de 2023, bem como no processo 090/17.7BEFUN, datado de 10 de maio de 2023 e no processo n.º 01/14.1BEFUN, datado de 13 de setembro de 2023.

Começa por elucidar o Supremo Tribunal Administrativo que o principal elemento distintivo dos tributos ambientais, em face dos demais, consiste na sua vinculação às políticas do ambiente. Ora, no caso em apreço, considerando também o preâmbulo do diploma que criou a ecotaxa, conclui o douto STA, sem grande dificuldade, que a ecotaxa é, de facto, um tributo ambiental.

Nesse âmbito, entende também o douto Tribunal que a “ecotaxa” não deve ser qualificada como um tributo ambiental comutativo – seja ele uma taxa ou uma contribuição ambiental, na medida em que o seu custo não remunera nenhum serviço concretamente prestado na área do ambiente ou de que o operador económico seja efetivo ou presumido causador ou beneficiário, não existindo, tão-pouco, nenhuma prestação administrativa, pelo que inexiste qualquer tipo de bilateralidade formal (sinalagma). Assim, remata, a “ecotaxa” só pode ser, pois, um imposto ambiental.

Seguindo a jurisprudência do Tribunal Constitucional, o STA entendeu que o critério material de igualdade que melhor se ajusta aos impostos é o da capacidade contributiva e que o mesmo deve ser compatibilizado com outros princípios com dignidade constitucional, como o princípio do Estado Social, a liberdade de conformação do legislador e certas exigências de praticabilidade e cognoscibilidade do facto tributário. E, considerando os desafios dos impostos ambientais, quer no plano da determinação dos comportamentos ambientalmente nocivos, quer no da determinação da expressão económica dos custos ambientais a internalizar – e que recaem sobre a esfera económica de terceiros, a quem aquela atividade não aproveita, entendeu este Supremo que não pode excluir-se a necessidade de onerar mais os agentes a quem a poluição mais aproveita, mesmo que não sejam os maiores poluentes. Por um lado, por serem aqueles que dela extraem o maior benefício económico, sendo de elementar justiça que sejam também quem mais contribui para o financiamento das boas práticas ambientais. E, por outro, por serem aqueles que precisam de um estímulo económico superior para optar pelas boas práticas ambientais (sendo que os impostos ambientais também podem contribuir para direcionar comportamentos).

Neste âmbito, concluiu, assim, o douto STA que o princípio da capacidade contributiva não se impõe com a mesma intensidade nos impostos ambientais. Mas também que lhe deve ser reconhecida uma configuração especial – que deriva da sua conjugação com o denominado “princípio do poluidor-pagador” e da introdução de variáveis que obrigam a ponderar razões de praticabilidade e de eficiência, bem como a especial utilidade económica extraída das externalidades ambientais.

No caso em apreço, conclui, pois, o Tribunal que não há (nem foram apresentadas) razões bastantes para concluir que as normas que definem a incidência da ecotaxa violam o princípio da igualdade tributária.

Sem prejuízo de concluir que a ecotaxa se aproxima de um imposto ambiental, recorda que o artigo 37.º, do n.º 1, da alínea f) do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira atribui competência à Assembleia Legislativa Regional, no exercício de funções legislativas, para exercer poder tributário próprio e adaptar o sistema fiscal nacional à Região nos termos do Estatuto e da lei, bem como que o sistema fiscal regional deve adaptar-se às especificidades regionais, quer podendo criar impostos apenas vigentes na Região quer adaptando os impostos de âmbito nacional às especificidades regionais.

Em face do exposto, conclui o STA que, embora a “ecotaxa” viole o princípio da equivalência, que norteia as “taxas”, aproximando-se de um verdadeiro imposto ambiental, a mesma não padece de inconstitucionalidade material, não violando o princípio da igualdade tributária por incidir apenas sobre certos operadores económicos que utilizam embalagens não reutilizáveis, nem, tão-pouco, orgânica, posto que as Regiões Autónomas têm poder tributário próprio.

CONCLUSÕES

O STA considera que a “ecotaxa” não padece de inconstitucionalidade.

***

Rogério Fernandes Ferreira
Vânia Codeço
José Pedro Barros
Álvaro Pinto Marques
Mariana Baptista de Freitas
Inês Reigoto
Leonor Gargaté Oliveira
Bárbara Malheiro Ferreira
Alice Ferraz de Andrade
Raquel Tomé Castelo

Know-How