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Súmula de Jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (4º Trimestre de 2024)

25 février 2025
Súmula de Jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (4º Trimestre de 2024)
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Súmula de Jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (4º Trimestre de 2024)

25 février 2025

Pretende-se, com a presente Informação Fiscal, apresentar uma síntese Trimestral dos principais Acórdãos proferidos pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) relacionados com o domínio da Fiscalidade, analisando, caso a caso, o impacto e o contributo que tais decisões poderão vir a ter, do ponto de vista nacional.

1.

NÚMERO DO PROCESSO: C 622/23

NOME: rhtb: projekt gmbh contra Parkring 14 16 Immobilienverwaltung GmbH

DATA: 28 de novembro de 2024

ASSUNTO: Reenvio prejudicial — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) — Diretiva 2006/112/CE — Artigo 2.o, n.o 1, alínea c) — Âmbito de aplicação — Operações tributáveis — Contrato de empreitada para a realização de um projeto imobiliário — Rescisão do contrato pelo dono da obra — Conceito de “remuneração” — Qualificação — Obrigação de pagar o montante total acordado após dedução dos custos poupados pelo prestador — Artigo 73.o — Valor tributável

FACTOS

Em março de 2018, a rhtb e a Parkring celebraram um contrato de empreitada que previa que a primeira devia realizar a construção de um projeto imobiliário por um montante superior a cinco milhões de euros, que incluía aproximadamente novecentos mil euros de IVA.

Não obstante, e após o início das obras, a Parkring informou a rhtb, em junho daquele ano, de que já não pretendia que esta realizasse o mencionado projeto, por razões alheias e, bem assim, não imputáveis à rhtb.

Em dezembro de 2018, e devido à rescisão injustificada do contrato de empreitada, a rhtb solicitou à Parkring o pagamento do montante acordado, após dedução dos custos decorrentes da rescisão injustificada do contrato de empreitada.

Uma vez que a Parkring não procedeu ao pagamento, a rhtb intentou, no órgão jurisdicional de primeira instância, uma ação destinada a obter o pagamento de um montante de 1.540.820,10 euros, incluindo o respetivo IVA, alegando que a Parkring tinha rescindido de forma injustificada este contrato e que, assim, se constituía como devedora do montante contratualmente acordado.

No âmbito da referida ação, a Parkring viria a contestar o mérito do pedido, sustentando que a rhtb só podia exigir o pagamento do montante correspondente aos trabalhos efetuados.

Numa primeira fase, o órgão jurisdicional de primeira instância julgou procedente o pedido da rhtb, salientando que a Parkring tinha rescindido de forma injustificada o referido contrato, mais declarando que o montante devido pela obra que não pôde ser efetuada, em virtude da resolução, estava sujeito a IVA.

Posteriormente, o órgão jurisdicional de recurso alterou a decisão do tribunal de primeira instância, decidindo que não era devido IVA sobre o montante devido pelos trabalhos não efetuados, porquanto não tinha havido troca de prestações entre as partes no contrato.

Neste contexto, ambas as partes interpuseram recurso desta decisão para o Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal de Justiça, Áustria – órgão jurisdicional de reenvio), que manifestou dúvidas quanto à interpretação da jurisprudência do Tribunal de Justiça.

Em particular, questionou-se se o montante em causa deve ser considerado uma remuneração na aceção da Diretiva IVA, dado que, após a rescisão do contrato de empreitada pela Parkring, a rhtb já não está obrigada a fornecer o restante da prestação acordada, não se encontrando verificado, assim, o nexo direto entre a contrapartida recebida e a prestação fornecida, condição essencial para a sua qualificação como remuneração.

Por conseguinte, o órgão jurisdicional de reenvio decidiu suspender a instância para submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

“Deve o artigo 2.o, n.o 1, alínea c), da [Diretiva IVA], em conjugação com o artigo 73.o desta diretiva, ser interpretado no sentido de que o montante devido pelo dono da obra ao empreiteiro também está sujeito a IVA quando a obra não foi (totalmente) executada, mas o empreiteiro estava disposto a executá la e só foi impedido de o fazer por circunstâncias imputáveis ao dono da obra (por exemplo, o cancelamento da obra)?”

APRECIAÇÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Numa primeira abordagem, o Tribunal de Justiça salientou que a Diretiva IVA prevê que estão sujeitas a este imposto as prestações de serviços efetuadas a título oneroso, no território de um Estado Membro, por um sujeito passivo agindo nessa qualidade.

No que concerne ao “título oneroso” de uma prestação de serviços, e segundo a jurisprudência comunitária, deverá existir entre o prestador e o beneficiário uma relação jurídica no âmbito da qual são realizadas prestações recíprocas, constituindo a retribuição recebida pelo prestador o contravalor efetivo de um serviço individualizável prestado ao beneficiário.

Em suma, a onerosidade de uma prestação de serviços verifica se quando exista um nexo direto entre o serviço prestado e o contravalor recebido, não sendo a existência daquele nexo afetada pelo facto de o cliente não fazer uso do direito de beneficiar da prestação.

Por outro lado, e como resulta igualmente da jurisprudência do Tribunal de Justiça, deve-se considerar que um montante predeterminado, recebido por um operador económico em caso de resolução antecipada pelo seu cliente, ou por causa que lhe é imputável, no âmbito de um contrato de prestação de serviços que devia decorrer ao longo de um determinado período – montante esse que o operador teria recebido durante o período se essa resolução do contrato não se tivesse verificado – corresponde à remuneração de uma prestação de serviços efetuada a título oneroso e, como tal, sujeita a imposto, ainda que essa resolução implique, nomeadamente, a desativação dos serviços previstos no contrato antes do termo do período mínimo convencionado.

No entender do Tribunal de Justiça, a mesma consideração deve valer para uma situação em que o prestador – rhtb – já tivesse iniciado a prestação de serviços em causa e estivesse disposto a concluí-la pelo montante contratualmente previsto.

No caso em apreço, o Tribunal de Justiça considerou, por um lado, que a rhtb colocou o beneficiário – Parkring – em condições de beneficiar da prestação de serviços e, por outro, que aquela lhe forneceu efetivamente uma parte dessa prestação, tendo salientado que estava disposta a executá la até ao seu termo.

Em face do exposto, o Tribunal de Justiça entendeu que o montante devido ao prestador de serviços corresponde àquele contratualmente previsto para a execução completa da prestação de serviços, após dedução dos montantes não despendidos devido à não realização da obra, não se podendo, assim, considerar que este montante constitui uma indemnização fixa destinada a ressarcir um prejuízo sofrido.

DECISÃO

O Tribunal de Justiça decidiu que a Diretiva IVA deve ser interpretada no sentido de que o montante contratualmente devido na sequência da rescisão, pelo beneficiário de uma prestação de serviços, de um contrato validamente celebrado relativo a esta prestação de serviços, sujeita ao IVA, que o prestador tinha começado a fornecer e que estava disposto a concluir, constitui a remuneração de uma prestação de serviços efetuada a título oneroso, na aceção da Diretiva IVA.

IMPLICAÇÕES NO DIREITO PORTUGUÊS

A presente decisão contribui para clarificar as regras de incidência, em sede de IVA, no tocante aos contratos não cumpridos integralmente por causa não imputável ao prestador de serviços e em matéria de indemnizações.

2.

NÚMERO DO PROCESSO: C-680/23

NOME: Modexel – Consultores e Serviços, S. A., contra Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira

DATA: 5 de dezembro de 2024

ASSUNTO: Reenvio prejudicial — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) — Diretiva 2006/112/CE — Artigo 183.°, primeiro parágrafo — Disposições relativas ao exercício do direito à dedução — Reporte do excedente de IVA — Conceito de “período seguinte” — Reembolso do excedente de IVA — Cessação da atividade económica

FACTOS

No primeiro trimestre de 2015, a Modexel apresentou uma declaração de cessação de atividade económica com efeitos em 28 de fevereiro de 2015, tendo indicado, na sua declaração de IVA relativa ao primeiro trimestre de 2015, um crédito de IVA no valor de € 12.456,20.

Mais tarde, em maio de 2016, a Modexel reiniciou a sua atividade económica, tendo deduzido o crédito anteriormente apurado na primeira declaração de IVA submetida após o reinício da atividade.

A Administração tributária viria a indeferir a dedução do crédito de IVA com o fundamento de que o reembolso do mencionado crédito deveria ter sido solicitado dentro dos doze meses posteriores à data de cessação da sua atividade económica, o que motivaria a perda do valor do crédito a favor do Estado Português.

Consequentemente, a Modexel impugnou a decisão de indeferimento da Administração tributária no Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal (órgão jurisdicional de reenvio), que decidiu suspender a instância para submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

“1) A expressão “período seguinte” que consta do artigo 183.° da Diretiva IVA deve ser interpretada no sentido de que se refere literalmente ao período temporal imediatamente seguinte no calendário?

2) Se não, verificada a cessação de atividade por parte de uma empresa, e posterior reinício de atividade por parte da mesma, com um hiato de cerca de [quinze] meses entre ambos os momentos, é permitido à empresa deduzir na primeira declaração após o reinício de atividade o valor que reportou em excesso aquando da cessação da atividade?”

APRECIAÇÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Para dar resposta ao órgão jurisdicional de reenvio, o Tribunal de Justiça partiu da premissa de que a Modexel cessou a sua atividade económica e que, posteriormente, reiniciou essa atividade.

Nesta circunstância, e de acordo com a jurisprudência comunitária, o Tribunal entendeu que o sistema comum do IVA garante a neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, independentemente de quais forem os fins ou os resultados destas, desde que as referidas atividades estejam, em princípio, elas próprias sujeitas ao IVA.

Em conformidade com a Diretiva IVA, quando o montante das deduções exceder o montante do IVA devido relativamente a um período de tributação, os Estados Membros podem efetuar o reporte do excedente para o período seguinte, ou proceder ao respetivo reembolso.

No que se refere ao conceito de “período seguinte” previamente referido, o Tribunal de Justiça recuperou o entendimento da Comissão Europeia, que o define como o período temporal imediatamente seguinte ao período de tributação em que o montante das deduções excede o montante de IVA devido, devendo o respetivo período de tributação ser definido por cada Estado-Membro, atendendo os limites estabelecidos na Diretiva IVA.

Não obstante o exposto, o Tribunal de Justiça precisou igualmente que é a existência de uma atividade económica que justifica a qualificação de uma entidade como sujeito passivo de IVA, ao qual é reconhecido o direito à dedução pela Diretiva IVA, pelo que para poder beneficiar deste direito, é necessário, nomeadamente, que o interessado seja um sujeito passivo, na aceção daquela Diretiva.

O Tribunal de Justiça concluiu, assim, que um operador que cesse a sua atividade económica deixa também de ser um sujeito passivo para efeitos de IVA, o que consubstancia a falta de continuidade entre os períodos de tributação exigida pela Diretiva IVA, isto é, deixa de existir um “período seguinte” para o qual o excedente possa ser reportado.

Por outro lado, resulta igualmente da decisão de reenvio que a regulamentação portuguesa permite, em caso de cessação de uma atividade económica de um operador, que este possa solicitar o reembolso do excedente antes do termo de um período de doze meses a contar do período em que esse excedente surgiu.

De acordo com a posição do Tribunal de Justiça, um prazo de caducidade cujo decurso tem como consequência punir o contribuinte que não foi suficientemente diligente ao não reclamar o reembolso do IVA, fazendo com que perca o seu direito a este reembolso, não pode ser considerado incompatível com a Diretiva IVA desde que (i) esse prazo se aplique de maneira idêntica aos direitos análogos em matéria fiscal que se baseiam no direito interno e àqueles que se baseiam no direito da União (princípio da equivalência), e que (ii) não impossibilite ou torne excessivamente difícil o exercício do direito ao reembolso do IVA (princípio da efetividade).

Como observou o Tribunal de Justiça, o referido prazo de caducidade de doze meses a contar do período em que o excedente de IVA surgiu não parece suscetível de impossibilitar ou tornar excessivamente difícil que um sujeito passivo ou um antigo sujeito passivo – in casu, a Modexel – invoque o seu direito ao reembolso do excedente de IVA.

No caso em apreço, e conforme resulta da exposição do Tribunal de Justiça, não decorre da decisão de reenvio que a Modexel procurou exercer o seu direito ao reembolso do excedente de IVA, declarado aquando da cessação da atividade económica – antes do termo daquele período de doze meses –, e que tenha encontrado dificuldades para exercer aquele direito.

DECISÃO

O Tribunal de Justiça decidiu que a Diretiva IVA deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional que prevê que, quando um sujeito passivo cessa a sua atividade económica, esse sujeito passivo não pode reportar para um período seguinte um excedente de IVA declarado aquando dessa cessação de atividade e que só pode recuperar esse montante através de um pedido de reembolso a apresentar no prazo de doze meses a contar da data da referida cessação de atividades, desde que os princípios da equivalência e da efetividade sejam respeitados.

IMPLICAÇÕES NO DIREITO PORTUGUÊS

A presente decisão contribui para clarificar as regras respeitantes à efetivação dos pedidos reembolso em sede de IVA, nos casos em que uma entidade cesse a sua atividade económica

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Rogério M. Fernandes Ferreira
Marta Machado de Almeida
Álvaro Silveira de Meneses
Miriam Campos Dionísio
João de Freitas Jacob
José Nuno Vilaça
Joana Fidalgo Barreiro

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