Pretende-se, com a presente Informação Fiscal, apresentar uma síntese Trimestral dos principais Acórdãos proferidos pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) relacionados com o domínio da Fiscalidade, analisando, caso a caso, o impacto e o contributo que tais decisões poderão vir a ter, do ponto de vista nacional.
1.
NÚMERO DO PROCESSO: C-89/23
NOME: Companhia União de Crédito Popular, S. A., contra Autoridade Tributária e Aduaneira
DATA: 18 de abril de 2024
ASSUNTO: Reenvio prejudicial — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) — Diretiva 2006/112/CE — Âmbito de aplicação — Atividade económica — Prestações de serviços — Artigo 135.° — Isenções em benefício de outras atividades — Operações de concessão de créditos — Venda em leilão de bens dados em penhor — Prestação única — Prestações distintas e independentes — Natureza principal ou acessória de uma prestação
FACTOS
A Companhia União de Crédito Popular (CUCP) é uma sociedade de direito português que exerce a atividade de prestamista, a qual consiste na concessão de empréstimos garantidos por bens móveis.
Tratando-se de uma atividade relacionada com operações de concessão e de negociação de créditos, a atividade desenvolvida pela CUCP encontra-se isenta de IVA.
Neste enquadramento, quando os mutuários não resgatam os bens dados em penhor ou se encontrem em mora no pagamento por mais de três meses, a CUCP procede à venda dos bens em leilão cobrando, para o efeito, uma comissão de venda de 11% do preço de adjudicação dos bens.
Nos anos de 2010 e 2011, a Administração tributária constatou que a CUCP não liquidou IVA nas mencionadas comissões de vendas, tendo entendido que as referidas comissões não se referem a um serviço acessório do contrato de empréstimo, mas sim a transações independentes, não abrangidas pela isenção de IVA.
Neste contexto, a Administração tributária tributou as referidas comissões à taxa normal de IVA e, consequentemente, procedeu às correções do montante de IVA devido pela CUCP relativamente aos anos de 2010 e 2011, nos montantes de € 107.124,33 e de 201.419,52 euros, respetivamente.
No âmbito do litígio que se seguiu, o órgão jurisdicional de reenvio decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça da União Europeia a seguinte questão prejudicial:
“Para efeitos de saber se a comissão de 11 % que [o artigo 25.° do Decreto Lei n.° 365/99] atribui ao prestamista pela venda dos bens dados em penhor pode beneficiar da isenção prevista no [artigo] 135.°, n.° 1, alínea b), da Diretiva IVA [a que corresponde o n.° 27 da alínea a) do art. 9.° do [Código do IVA]], a venda dos bens dados em penhor ([artigos] 19.° e seguintes do Decreto Lei n.° [365/99]), quando o mutuário deixe de pagar dentro das condições legais, pode considerar se uma prestação acessória dos serviços prestados pelo prestamista (atividade de mútuo garantido por penhor)?”
APRECIAÇÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
O Tribunal de Justiça enfatizou, de acordo com a jurisprudência estabelecida, que cada operação deve ser normalmente considerada distinta e independente, não devendo a operação constituída por uma só prestação no plano económico ser artificialmente decomposta para não alterar a funcionalidade do sistema do IVA.
Assim, existe uma prestação única quando dois ou mais elementos fornecidos ou atos praticados pelo sujeito passivo ao cliente estão tão estreitamente ligados que formam, objetivamente, uma única prestação económica indissociável cuja decomposição revestiria caráter artificial.
Ademais, o Tribunal de Justiça precisou que cabe aos órgãos jurisdicionais nacionais determinar se, nas circunstâncias do caso concreto, a prestação em causa constitui uma prestação única.
No caso em análise, o Tribunal de Justiça recordou que a “concessão de crédito”, na aceção da Diretiva IVA, consiste, nomeadamente, na disponibilização de capital contra remuneração, devendo aquele conceito ser interpretado em sentido lato, de modo que o seu alcance não possa ser limitado apenas aos empréstimos e créditos concedidos por organismos bancários e financeiros.
Não olvidando que os termos utilizados para designar as isenções previstas na Diretiva IVA são de interpretação restrita, porquanto constituem derrogações ao princípio geral segundo o qual o IVA é cobrado sobre cada prestação de serviços efetuada a título oneroso por um sujeito passivo, o Tribunal de Justiça considerou que a venda em leilão dos bens dados em penhor nos termos do caso em análise constituem prestações distintas e independentes.
Mais considerou o Tribunal de Justiça que essas prestações não dependem nem material nem formalmente uma da outra, não podendo a venda em leilão do bem dado em penhor ser qualificada como sendo o resultado normal da concessão do mútuo garantido por penhor.
Por outro lado, o Tribunal de Justiça entendeu igualmente que embora a mencionada venda se destine efetivamente ao pagamento do capital e dos juros correspondentes ao mútuo, aquela não constitui um simples meio de beneficiar, nas melhores condições, da prestação relativa à concessão do referido mútuo, mas um fim em si mesmo.
Por último, o Tribunal de Justiça observou que a interpretação da natureza distinta e independente das prestações relativas à organização da venda em leilão dos bens dados em penhor está em conformidade com a exigência de interpretação restrita dos termos utilizados para designar as isenções e, bem assim, que a comissão cobrada não é a contrapartida, sob a forma de taxa, de um serviço público, tendo antes por único objeto compensar o prestamista pela realização e organização da venda em leilão em análise.
DECISÃO
O Tribunal decidiu que a Diretiva IVA deve ser interpretada no sentido de que as prestações relativas à organização de vendas em leilão de bens dados em penhor não têm natureza acessória em relação às prestações principais relativas à concessão de crédito garantido por penhor, na aceção desta disposição, pelo que não partilham do tratamento fiscal dessas prestações principais em matéria de imposto sobre o valor acrescentado.
IMPLICAÇÕES NO DIREITO PORTUGUÊS
A presente decisão contribui para clarificar as circunstâncias nas quais uma operação deve ser considerada principal ou acessória e, bem assim, o âmbito de aplicação das normas de isenção, designadamente a aplicável às operações de concessão e de negociação de créditos.
2.
NÚMERO DO PROCESSO: C-241/23
NOME: P. sp. z o.o. contra Dyrektor lzby Administracji Skarbowej w Warszawie - sendo interveniente: Rzecznik Małych i Średnich Przedsiębiorców
DATA: 8 de maio de 2024
ASSUNTO: Reenvio prejudicial — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) — Diretiva 2006/112/CE — Artigo 73.o — Entregas de bens e prestações de serviços — Transferência de bens imóveis a título de entrada em espécie — Base de tributação — Contraprestação — Capital acionista — Valor nominal — Valor de emissão
FACTOS
A sociedade P. encontra-se registada como sujeito passivo de IVA na Polónia.
No âmbito da sua atividade, entre o final de 2014 e o início de 2015, a P. procedeu a um aumento de capital através de entradas em espécie provenientes da W. e da B., tendo estas duas sociedades celebrado com a P. vários contratos que visavam a transferência de bens imóveis que lhes pertenciam e uma contribuição em numerário, em troca de ações da P.
Neste enquadramento, a P. celebrou em 2014 vários contratos com a W. nos termos dos quais esta última lhe transferiria 23 imóveis e um determinado montante em dinheiro, em troca de um conjunto de ações emitidas pela P..
Em paralelo, a P. celebrou no mesmo ano contratos com a B., nos termos dos quais esta última lhe transferiria dois imóveis e um determinado montante em dinheiro, igualmente em troca de um conjunto de ações emitidas pela P..
Estes contratos estipulam que a contraprestação das entradas em espécie no capital da P. é constituída por ações desta última, avaliadas pelo seu preço de emissão, tendo as partes determinado este preço no valor dos imóveis cedidos, tal como avaliado por um terceiro em função dos preços de mercado.
Com efeito, nas suas declarações de IVA para o quarto trimestre de 2014 e para o primeiro trimestre de 2015, a sociedade P. incluiu os montantes do IVA e os montantes líquidos indicados nas faturas emitidas pelas sociedades W. e B., relativas às entradas de imóveis no capital da P.
Por Decisão de 28 de março de 2017, a Administração tributária polaca considerou que o valor tributável do IVA das entradas de capital efetuadas pela W. e pela B., no âmbito do aumento de capital da P., devia ser calculado tendo em conta o valor nominal das ações desta, e não o seu valor de emissão, colocando em crise o direito da sociedade P. poder deduzir o IVA relativo às referidas entradas, em específico no montante que excedia o calculado sobre o valor nominal das ações.
No âmbito do litígio que se seguiu, o órgão jurisdicional de reenvio decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça da União Europeia a seguinte questão prejudicial:
“Deve entender se por contraprestação que o fornecedor tenha recebido ou deva receber em relação às entregas de bens, a que se refere o artigo 73.o da Diretiva [IVA], de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, o valor nominal das ações subscritas ou o valor de emissão, se as partes tiverem estipulado que o valor de emissão das ações constitui a contraprestação?”
APRECIAÇÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
O Tribunal da justiça começou por identificar que a Diretiva IVA aponta para que o valor tributável compreenda tudo o que constitui a contraprestação que o fornecedor ou o prestador tenha recebido ou deva receber em relação a essas operações, do adquirente, do destinatário ou de um terceiro, bastando apenas que seja efetuada a título oneroso, isto é, que exista um nexo direto entre os bens ou as prestações trocados e que o valor do bem ou da prestação dado em troca possa ser expresso em dinheiro.
Atendendo ao caso em concreto, o Tribunal de Justiça reconheceu que existiu um nexo direto entre a transmissão dos imóveis pelas sociedades W. e B. e a atribuição de ações da sociedade P. àquelas.
Resulta de jurisprudência comunitária que o valor tributável de uma entrega de bens, efetuada a título oneroso, é constituído pela contraprestação realmente recebida.
Essa contraprestação representa, portanto, o valor subjetivo, isto é, o valor realmente recebido, devendo esse valor ser o que o beneficiário da entrega dos bens, que constitui a contrapartida de outra entrega de bens, atribuir aos bens que pretende obter, caso aquele valor não consista num montante em dinheiro acordado entre as partes.
No caso em apreço, o valor subjetivo da contraprestação das entradas de imóveis corresponde ao valor em dinheiro que as sociedades W. e B. conferiram às ações da P. quando as aceitaram em troca das referidas entradas no capital desta última.
Assim, o facto de o preço acordado corresponder ao preço de mercado não demonstra que o valor tributável em sede de IVA deva ser determinado à luz de um valor objetivo (v.g., valor nominal), em vez do valor subjetivo realmente convencionado pelas partes, pelo que a contraprestação acordada para os imóveis é determinada tendo em consideração o número de ações da sociedade P., valorizadas segundo o preço de emissão que as sociedades W. e B. puderam subscrever.
Como observou o Tribunal de Justiça, a referida determinação da base tributável em sede de IVA não obsta, como salientou a Comissão Europeia, a que o órgão jurisdicional de reenvio possa verificar, tendo em conta todas as circunstâncias relevantes, que o valor acordado pelas partes reflete efetivamente a realidade económica e comercial e, bem assim, que não resulta de uma prática abusiva.
Por último, o Tribunal de Justiça considerou ainda que nenhum elemento constante dos autos o levou a considerar que o valor de emissão das ações em causa resulta de uma prática abusiva ou que a República da Polónia tenha tomado medidas a fim de evitar a fraude ou a evasão fiscais, conforme dispostas nas disposições da Diretiva IVA.
DECISÃO
O Tribunal decidiu que a Diretiva IVA deve ser interpretada no sentido de que o valor tributável de uma entrada de imóveis, efetuada por uma primeira sociedade no capital de uma segunda sociedade em troca de ações desta última, deve ser determinado em função do valor de emissão dessas ações quando as referidas sociedades tiverem acordado que a contraprestação dessa entrada de capital será constituída por este valor de emissão.
IMPLICAÇÕES NO DIREITO PORTUGUÊS
A presente decisão contribui para clarificar a forma de determinação do valor tributável, nos casos de contraprestação em espécie.
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Rogério Fernandes Ferreira
Marta Machado de Almeida
Álvaro Silveira de Meneses
Miriam Campos Dionísio
José Nuno Vilaça
João de Freitas Jacob
Joana Fidalgo Barreiro