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Súmula de Jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (1º Trimestre de 2024)

27 May 2024
Súmula de Jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (1º Trimestre de 2024)
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Súmula de Jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (1º Trimestre de 2024)

27 May 2024

Pretende-se, com a presente Informação Fiscal, apresentar uma síntese Trimestral dos principais Acórdãos proferidos pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) relacionados com o domínio da Fiscalidade, analisando, caso a caso, o impacto e o contributo que tais decisões poderão vir a ter, do ponto de vista nacional.

1.
NÚMERO DO PROCESSO: C- 433/22
NOME: Autoridade Tributária e Aduaneira contra HPA – Construções S. A.
DATA: 11 de janeiro de 2024
ASSUNTO: Reenvio prejudicial — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) — Diretiva 2006/112/CE — Anexo IV — Ponto 2 — Disposições temporárias relativas a determinados serviços com grande intensidade do fator trabalho — Taxa reduzida de IVA aplicável a serviços de reparação e de renovação em residências particulares — Conceito de “residência particular”.

FACTOS

A HPA é uma sociedade comercial que presta serviços de construção civil e de empreitadas.

Ao longo do ano de 2007, esta sociedade celebrou cinco contratos de empreitada de remodelação em prédios urbanos com três sociedades comerciais, que são proprietárias dos edifícios nos quais foram realizadas as obras previstas nos referidos contratos.

Nas faturas que emitiu respeitantes aos aos serviços de reparação e de renovação prestados ao abrigo daqueles contratos, a HPA liquidou IVA à taxa reduzida de 5%, nos termos da verba n.º 2.24 da Lista I anexa ao Código do IVA.
Em momento posterior, e por forma a verificar a correta aplicação da taxa reduzida, a Administração tributária iniciou um procedimento externo de inspeção à HPA relativamente àquele exercício, no âmbito do qual viria a considerar que a entidade portuguesa não poderia ter aplicado a taxa reduzida de imposto, tendo emitido liquidações adicionais de imposto no montante de € 374.750,77.

Por forma a contestar as referidas liquidações, a HPA viria a impugná-las judicialmente junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, tendo este julgado a impugnação judicial como procedente e, bem assim, anulado as mencionadas liquidações.

No âmbito do litígio que se seguiu, o órgão jurisdicional de reenvio decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça da União Europeia a seguinte questão prejudicial:

O ponto 2 do Anexo IV da Diretiva IVA opõe se a uma disposição de direito nacional segundo a qual a taxa reduzida de IVA apenas pode ser aplicada a empreitadas de reparação e renovação do imóvel em residências particulares que estejam habitadas no momento em que aquelas operações têm lugar?

APRECIAÇÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

O Tribunal de Justiça considerou, primeiramente, que os termos da Diretiva IVA previstos no ponto 2 do Anexo IV – obras de reparação e renovação em residências particulares, excluindo os materiais que representam uma parte significativa do valor do serviço prestado – devem ser interpretados de modo uniforme e independentemente das qualificações utilizadas nos Estados Membros, devendo ter em consideração o contexto em que são utilizados e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que fazem parte.

Neste enquadramento, o Tribunal de Justiça definiu que o termo “residência”, designa um bem imóvel ou até móvel, ou parte deste, destinado à habitação, que, por conseguinte, serve de residência a uma ou a várias pessoas. Por outro lado, o adjetivo “particular” permite distinguir as residências não particulares, como os alojamentos de serviço ou os hotéis.

Assim, os serviços de reparação e de renovação referidos na disposição em análise devem, no entender do Tribunal de Justiça, incidir sobre bens utilizados para fins de habitação particular, ao passo que os serviços relativos aos bens utilizados para outros fins, como os comerciais, não são abrangidos por esta disposição.

Atenta a redação da disposição em causa, um imóvel que, apesar de se encontrar licenciado para fins habitacionais, não seja utilizado para esse fim na data em que os serviços de reparação ou de renovação em causa são executados, não está abrangido pelo âmbito de aplicação da disposição, estando também excluídos os serviços de reparação ou de renovação relativos a imóveis que, na data da execução destes serviços, sejam utilizados pelo seu proprietário para fins comerciais ou de investimento.

Para além disto, o Tribunal de Justiça refere que o contexto em que a disposição se insere corrobora a interpretação de que a taxa de IVA só se aplica a serviços de reparação e de renovação que tenham por objeto imóveis que sejam efetivamente utilizados para habitação.

Neste enquadramento, o Tribunal de Justiça entende que, para poder beneficiar de uma taxa reduzida de IVA, os serviços enumerados na disposição em causa devem, em grande parte, ser prestados diretamente aos consumidores finais, e não a sociedades ou a pessoas singulares que não utilizem efetivamente a residência para habitação.

Ademais, a interpretação segundo a qual a disposição em causa abrange somente serviços de reparação e de renovação que tenham por objeto imóveis efetivamente habitados na data da realização das obras visa beneficiar o consumidor e, bem assim, é conforme com os objetivos prosseguidos com a adoção de uma taxa reduzida, no entender do Tribunal de Justiça.

Através da aplicação dessa taxa reduzida, o consumidor pode beneficiar dos serviços de reparação e de renovação da residência que utiliza efetivamente para fins habitacionais a um custo inferior àquele que suportaria se esses serviços fossem tributados à taxa normal.

Em face do exposto, e de acordo com a interpretação do Tribunal de Justiça, o elemento determinante para apreciar se o consumidor pode beneficiar da aplicação da taxa reduzida de IVA reside no facto de, no momento em que o custo é gerado, esse imóvel ser efetivamente utilizado como habitação por este consumidor, pese embora a residência particular possa encontrar-se desocupada durante um certo período de tempo sem alterar a sua natureza de residência particular.

DECISÃO

O Tribunal decidiu que a Diretiva IVA deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional que prevê que se aplique uma taxa reduzida de IVA aos serviços de reparação e de renovação em residências particulares, desde que as residências em causa sejam efetivamente utilizadas como habitação na data em que estas operações têm lugar.

IMPLICAÇÕES NO DIREITO PORTUGUÊS

A presente decisão contribui para clarificar o âmbito de aplicação da taxa reduzida de IVA prevista na verba n.º 2.24 da Lista I anexa ao Código do IVA e, bem assim, densificar o escopo da sua aplicação aos serviços de reparação e renovação realizados em residências particulares.

2.
NÚMERO DO PROCESSO: C‑676/22
NOME: B2 Energy s. r. o. contra Odvolací finanční ředitelství
DATA: 29 de fevereiro de 2024
ASSUNTO: Reenvio prejudicial — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) — Diretiva 2006/112/CE — Artigo 138.º, n.º 1 — Isenção das entregas intracomunitárias de bens — Recusa do benefício da isenção — Provas — Fornecedor de bens que não comprova a entrega dos bens ao destinatário indicado nos documentos fiscais — Fornecedor que apresenta outras informações que provam a qualidade de sujeito passivo do destinatário efetivo.

FACTOS

O pedido de decisão prejudicial foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a B2 Energy, uma sociedade checa, à Administração tributária, a respeito da recusa desta em isentar aquela sociedade do IVA relativo a várias entregas de bens, pretensamente intracomunitárias, com destino à Polónia, pelo facto de a B2 Energy não ter provado que estavam preenchidos os requisitos para beneficiar dessa isenção.

Em 2015, a B2 Energy efetuou entregas de óleo de colza com destino à Polónia que, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, não foram entregues aos destinatários declarados nos documentos fiscais, mas a outros destinatários estabelecidos nesse Estado‑Membro, alguns dos quais confirmaram a receção através da aposição do seu carimbo e da sua assinatura em guias de transporte internacionais.

A Administração tributária efetuou uma auditoria fiscal, relativa aos meses de fevereiro a maio de 2015, onde verificou que a B2 Energy não tinha provado, com base nos documentos fornecidos, que preenchia os requisitos para beneficiar da isenção do IVA.

Considerou, assim, que a sociedade não tinha provado que tinha sido transferido o direito de dispor desses bens como proprietário para as pessoas apresentadas nos documentos fiscais como sendo as suas destinatárias, nem que os referidos bens tinham sido entregues a uma pessoa registada fiscalmente noutro Estado-Membro, razão pela qual declarou que o montante do IVA devia ser agravado em relação aos meses de fevereiro a maio de 2015.

Nesse seguimento, a Administração tributária indeferiu as reclamações apresentadas pela B2 Energy contra os avisos de liquidação.

No âmbito do litígio que se seguiu, o órgão jurisdicional de reenvio decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

"Deve o artigo 138.º, n.º 1, da Diretiva [IVA], à luz do Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 9 de dezembro de 2021 no processo C‑154/20, Kemwater ProChemie, EU:C:2021:989, ser interpretado no sentido de que há que recusar o exercício do direito à isenção do [IVA] no caso de uma entrega de bens noutro Estado‑Membro da União Europeia, sem que a autoridade fiscal tenha de provar que a entrega de bens estava envolvida numa fraude ao IVA, quando o fornecedor não tiver provado que o bem foi entregue a um destinatário específico noutro Estado‑Membro da União Europeia com a qualidade de sujeito passivo indicado nos documentos fiscais, apesar de, tendo em conta as circunstâncias de facto e as informações transmitidas pelo sujeito passivo, estarem disponíveis as informações necessárias para verificar que o destinatário efetivo de outro Estado‑Membro da União Europeia tinha essa qualidade?

APRECIAÇÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Em análise, o Tribunal de Justiça considerou que a qualificação de uma operação como entrega intracomunitária, nos termos da Diretiva IVA, conduz à isenção de imposto e, bem assim, abrange as entregas de bens expedidos ou transportados, pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, fora do território de um Estado Membro, mas no interior da União, efetuadas a outro sujeito passivo ou a uma pessoa coletiva que não seja sujeito passivo, agindo como tal num Estado Membro diferente do Estado de partida da expedição ou do transporte dos bens.

Em paralelo, refere o Tribunal de Justiça que a isenção do imposto em análise no caso concreto está sujeita à condição de a entrega não ser efetuada a um sujeito passivo ou a uma pessoa coletiva que não seja sujeito passivo cujas aquisições intracomunitárias de bens não estejam sujeitas ao IVA.

Com exceção das condições referidas precisamente à qualidade de sujeito passivo, à transferência do poder de dispor de um bem como proprietário e à deslocação física de bens de um Estado‑Membro para outro, o Tribunal de Justiça considerou que não se pode exigir o preenchimento de nenhuma outra condição para qualificar uma operação como uma entrega intracomunitária de bens.

Por conseguinte, o Tribunal lembrou que o princípio da neutralidade fiscal exige que a isenção do IVA seja concedida se os requisitos de fundo estiverem cumpridos, ainda que os sujeitos passivos tenham negligenciado certas exigências formais.

Com efeito, resulta do próprio requisito a que está subordinada a recusa de isenção do IVA que a Administração tributária não pode impor exigências suplementares que possam ter por efeito eliminar o direito de isenção do sujeito passivo, quando dispõe dos dados necessários para saber que as exigências de fundo foram cumpridas, e nomeadamente que as mercadorias foram entregues a um sujeito passivo agindo como tal.

A este respeito, o Tribunal entendeu a questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio no sentido de que visa as modalidades de prova suscetíveis de serem impostas ao fornecedor para demonstrar que os requisitos da isenção do IVA no momento de uma entrega de bens para outro Estado‑Membro, e mais especificamente o requisito relativo à qualidade de sujeito passivo do adquirente, estão preenchidos.

O Tribunal recordou que não consta da Diretiva IVA uma disposição que diga respeito às provas que os sujeitos passivos devem fornecer para beneficiarem da isenção do IVA, cabendo aos Estados-Membros fixar em conformidade com a disposição da Diretiva IVA, os requisitos de isenção das operações intracomunitárias.

Com efeito, a qualificação de entrega intracomunitária da entrega efetuada pelo fornecedor que aplica a isenção e que consta dos documentos fiscais depende da questão de saber se o transporte podia efetivamente ser imputado a essa entrega.

Apenas na hipótese de, tendo em conta as circunstâncias factuais, e não obstante os elementos apresentados pelo sujeito passivo, faltarem os dados necessários para verificar que os requisitos na disposição da Diretiva IVA em causa estão preenchidos, é que o benefício da isenção do IVA deve ser recusado a este último, sem que a Administração tributária tenha de provar que esse sujeito passivo esteve implicado numa fraude ao IVA.

DECISÃO

O Tribunal decidiu que a disposição em análise da Direita IVA, deve ser interpretada no sentido de que se deve recusar a isenção de IVA a um fornecedor estabelecido num Estado‑Membro, que entregou mercadorias com destino a outro Estado‑Membro, quando este fornecedor não tenha provado que as mercadorias foram entregues a um destinatário que tem a qualidade de sujeito passivo neste último Estado‑Membro e quando, tendo em conta as circunstâncias factuais e os elementos apresentados pelo fornecedor, faltarem os dados necessários para verificar que esse destinatário tinha esta qualidade.

IMPLICAÇÕES NO DIREITO PORTUGUÊS

A presente decisão contribui para clarificar as regras respeitantes à isenção de IVA nas operações intracomunitárias de bens quando estes foram tomados a cargo por um outro sujeito passivo face ao destinatário declarado nos documentos fiscais.

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Rogério Fernandes Ferreira
Marta Machado de Almeida
Álvaro Silveira de Meneses
Miriam Campos Dionísio
José Nuno Vilaça
João de Freitas Jacob
Joana Fidalgo Barreiro

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