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Sobre a obrigatoriedade das pessoas coletivas efetuarem pagamentos à Administração Tributária exclusivamente por meios eletrónicos (transparência ou obscuridade na Lei?)

05 June 2024
Sobre a obrigatoriedade das pessoas coletivas efetuarem pagamentos à Administração Tributária exclusivamente por meios eletrónicos (transparência ou obscuridade na Lei?)
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Sobre a obrigatoriedade das pessoas coletivas efetuarem pagamentos à Administração Tributária exclusivamente por meios eletrónicos (transparência ou obscuridade na Lei?)

05 June 2024

A Administração tributária já apresentou o seu entendimento quanto à obrigatoriedade do pagamento por meios eletrónicos aplicável às pessoas coletivas, recentemente introduzida na Lei do Orçamento de Estado para 2024.

INTRODUÇÃO

Na sequência da entrada em vigor da nova redação (do n.º 2, do artigo 40.º) da Lei Geral Tributária (“LGT”), preconizada pela Lei do Orçamento de Estado para 2024 (Lei n.º 82/2023, de 29 de dezembro), a Administração tributária emitiu, recentemente, o Ofício Circulado n.º 90071, onde apresenta o seu entendimento quanto ao âmbito de aplicação da obrigatoriedade do pagamento por meios eletrónicos que é aplicável às pessoas coletivas.

A referida norma veio estabelecer que “O pagamento, por pessoas coletivas, de prestações tributárias e quaisquer outros créditos cobrados pela Autoridade Tributária e Aduaneira, são exclusivamente efetuados por meios de pagamento eletrónico, independentemente de se encontrarem previstos meios de pagamento específicos na legislação especial relativa a cada tributo.”

Recordamos que esta norma surge no contexto da crescente preocupação do legislador com o combate às práticas fiscais abusivas, procurando assegurar maior transparência na origem dos pagamentos do imposto devido por pessoas coletivas, em conformidade com as preocupações da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (“OCDE”).

No entanto, a redação de lei tem levantando dúvidas interpretativas, nomeadamente quanto ao seu âmbito de aplicação, quer subjetivo (a quem se dirige), quer objetivo (a que pagamentos respeita).

O ENTENDIMENTO DA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA

Pretendeu a Administração tributária sanar incertezas quanto à interpretação e abrangência do novo número que aditou à LGT, resultante das alterações promovidas pela Lei do Orçamento de Estado para 2024 e que pretendeu estabelecer a obrigatoriedade do pagamento por meios eletrónicos às pessoas coletivas.

Considerando a epígrafe do artigo em causa – "Pagamento e outras formas de extinção das prestações tributárias" –, esclareceu a Administração tributária que esta obrigatoriedade do pagamento por meios eletrónicos se restringe, apenas, aos pagamentos destinados à extinção, total ou parcial, das obrigações fiscais.

Neste âmbito, sanciona, assim, a Administração tributária o entendimento de que essa obrigatoriedade abrange o pagamento de tributos, de coimas e de outras dívidas cobradas pela Administração tributária, na fase do pagamento voluntário ou do pagamento coercivo (isto é, no âmbito de processos de execução fiscal).

A contrario, ficam excluídos da aplicação dessa norma, considerando a sua natureza, os pagamentos que não visam extinguir, total ou parcialmente, uma relação tributária, nomeadamente os depósitos de valores pagos junto da Administração tributária, de que são exemplo os depósitos de penhora, caução ou do produto de uma venda, efetuados no âmbito de processo executivo, ou, ainda, os depósitos em numerário para a constituição de garantias junto das estâncias aduaneiras, os valores pagos junto da Administração tributária decorrentes de receitas cobradas pelos Tribunais e os pagamentos de receitas do Estado realizados nos serviços da Administração tributária.

Questão que a Administração tributária procurou ainda esclarecer foi a que se refere à identificação dos destinatários da norma, pois, considerando o elemento literal – “por pessoas coletivas” –, entendeu a Administração que apenas se aplica tal obrigatoriedade de pagamento nos meios eletrónicos quando a responsabilidade tributária recaia sobre essas mesmas entidades, ainda que o pagamento seja realizado por uma pessoa singular em seu nome. E esclarece, ainda, que não é exigível o pagamento através de meios eletrónicos caso a dívida de pessoa coletiva passe a ser uma dívida de uma pessoa singular, como, por exemplo, numa situação de reversão fiscal, em que seja o revertido a efetuar o pagamento nessa qualidade.

Finalmente, observa a Administração tributária que há situações em que o pagamento é efetuado nos serviços da Administração tributária apenas por impossibilidade de realização em outros locais, como é o caso de receitas provenientes de entidades públicas diversas, dos valores entregues pelos casinos ou das coimas determinadas em processos tramitados por entidades diferentes da Administração tributária. Ora, nestes casos, a aplicação da norma em causa fica suspensa até que seja implementado um método de pagamento alternativo, o que requer coordenação entre a Direção-Geral do Orçamento, IGCP – Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública e as entidades envolvidas, pois só nesse momento deixará de ser necessária a intervenção dos serviços da Administração tributária na arrecadação destas receitas.

CONCLUSÕES

A introdução da obrigatoriedade de pagamentos eletrónicos reflete a crescente preocupação do legislador com o combate a práticas fiscais abusivas, procurando assegurar maior transparência quanto à origem dos montantes para pagamento do imposto devido por pessoas coletivas, em conformidade com as preocupações da OCDE. No entanto, a redação da norma levanta ainda diversas dúvidas interpretativas, nomeadamente em relação ao seu âmbito de aplicação, o que explica esta rápida tomada de posição por parte da Administração tributária.

Não podemos deixar de referir, porém, que serão os tribunais a decidir em termos finais o que inclui o âmbito de aplicação deste novo número que foi aditado à LGT.

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Rogério Fernandes Ferreira
Vânia Codeço
José Pedro Barros
Álvaro Pinto Marques
Mariana Baptista de Freitas
Inês Reigoto
Leonor Gargaté Oliveira
Bárbara Malheiro Ferreira
Alice Ferraz de Andrade
Raquel Tomé Castelo

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