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O Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário e a jurisprudência mais recente - update

26 July 2024
O Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário e a jurisprudência mais recente - update
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O Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário e a jurisprudência mais recente - update

26 July 2024

INTRODUÇÃO

A criação do Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário (ASSB) teve por objetivo confesso o de reforçar os mecanismos de financiamento da Segurança Social, prevendo uma integral consignação da receita respetiva ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social.

De acordo com a Lei de alteração do Orçamento do Estado de 2020, o novo tributo iria, alegadamente e por isso, servir de “forma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, aproximando a carga fiscal suportada pelo setor financeiro à que onera os demais sectores.

Em 2022 surgiu a primeira decisão de inconstitucionalidade sobre o ASSB, nos termos da qual o Tribunal Arbitral entendeu que o ASSB de 2020 era inconstitucional pois incidia sobre factos tributários anteriores à entrada em vigor da norma que o implementou (a norma entrou em vigor a 24 de julho de 2020 e tem por base as contas relativas ao 1.º semestre de 2020).

Sucede que, conforme se verá infra, em março e abril de 2023, surgiram as primeiras decisões arbitrais, através das quais o Tribunal considera que as próprias normas que criam o ASSB são inconstitucionais, por violação dos princípios da igualdade tributária, na dimensão da proibição do arbítrio, da capacidade contributiva, enquanto decorrência do princípio da igualdade tributária e, ainda, por violação do princípio da proporcionalidade legislativa.

Posteriormente, em fevereiro de 2024, surgiram os primeiros Acórdão do Tribunal Constitucional e do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre esta matéria.

INCIDÊNCIA SUBJETIVA

Os sujeitos passivos deste tributo são (i) as instituições de crédito cuja sede principal e efetiva da administração se encontre em território português, (ii) as filiais em Portugal de instituições de crédito que não tenham a sua sede principal e efetiva em Portugal, e (iii) as sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede principal e efetiva fora do território português.

INCIDÊNCIA REAL OU OBJETIVA

À semelhança da Contribuição sobre o Setor Bancário (CSB), que já existia anteriormente, desde 2011, e que aparentemente assume o papel de tributo principal, o novo “adicional de solidariedade” também incide sobre passivos e, bem assim, sobre o valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço das instituições bancárias ao mesmo sujeitas.

A TAXA APLICÁVEL

O valor deste novo “adicional” corresponde à aplicação de uma percentagem de 0,02% sobre os valores dos elementos passivos das instituições bancárias abrangidas, acrescida da aplicação de uma percentagem de 0,00005% sobre o valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço dessas mesmas entidades.

AS OBRIGAÇÕES ACESSÓRIAS E DE PAGAMENTO

Já o apuramento do valor deste “adicional de solidariedade” é feito, anualmente, através de autoliquidação pelos sujeitos passivos, sendo a respetiva declaração de modelo oficial enviada à Administração tributária até ao último dia do mês de junho, e devendo o respetivo pagamento ser efetuado no mesmo prazo.

No entanto, foi consagrado em disposição transitória que, em 2020 e 2021, a base de incidência seria calculada por referência à média semestral dos saldos finais de cada mês, que tinham correspondência nas contas relativas ao segundo semestre de 2020, no caso do “adicional” devido em 2021.

A DECISÃO ARBITRAL DE MARÇO DE 2023

O Tribunal Arbitral, constituído no âmbito do processo n.º 598/2022-T, em decisão proferida em Março de 2023, começou por julgar o ASSB como um “imposto especial sobre o setor bancário” porquanto, não obstante partilhar com a CSB a incidência objetiva, não corresponde, em rigor, a um adicional desta última, mas, sim, a um verdadeiro imposto autónomo.

Adicionalmente, o Tribunal Arbitral salientou que, apesar da semelhança entre a CSB e o novo ASSB quanto à incidência objetiva, o método de quantificação da base de incidência destes dois tributos não coincide e, por esse motivo, a jurisprudência anterior que havia entendido que a CSB não violava o princípio da proibição da retroatividade fiscal não era transponível para o caso do ASSB.

Para o Tribunal Arbitral, o facto tributário do ASSB de 2020 decorria de um apuramento contabilístico da média dos saldos do passivo do primeiro semestre desse ano.

De acordo com a decisão arbitral, “(…) à data da liquidação do imposto relativo ao primeiro semestre de 2020, ainda não se encontra encerrado o exercício nem aprovadas as contas, pelo que o facto tributário que a norma erige para efeito de liquidação não é a aprovação das contas, mas o facto material da verificação de existência do passivo através dos dados inscritos na contabilidade, e que necessariamente ocorre ainda antes da entrada em vigor da Lei n.º 27-A/2020.”.

Entendeu, assim, o Tribunal Arbitral julgar inconstitucional, por violação do princípio da proibição da retroatividade dos impostos, a norma transitória que estabelece a regra para o apuramento do ASSB em 2020.

Além disso, o Tribunal arbitral entendeu que “(…) a criação do ASSB como um imposto especial incidente sobre o sector bancário, como forma de compensar a isenção de IVA, configura-se como uma diferenciação arbitrária na medida em que o critério utilizado não apresenta um mínimo de coerência nem se encontra materialmente justificado.”.

Para o Tribunal Arbitral o facto de não existir uma correspondência cabal entre o ASSB e um índice de valoração de capacidade contributiva ameaça a conformidade deste tributo com a Constituição da República Portuguesa.

Assim, o Tribunal Arbitral concluiu que o conjunto formado pela norma que cria o ASSB, pela norma que altera a Lei do Orçamento do Estado para 2020 e pela norma que adita o ASSB à referida Lei do Orçamento do Estado é inconstitucional por violação do princípio da igualdade, na dimensão da proibição do arbítrio e por violação do princípio da capacidade contributiva, enquanto decorrência do princípio da igualdade tributária.

A DECISÃO ARBITRAL DE ABRIL 2023

O Tribunal Arbitral, constituído no âmbito do processo n.º 599/2022-T, em decisão proferida em 25 de abril de 2023, entendeu, à semelhança do sucedido na decisão arbitral acima mencionada, que o ASSB é um imposto que não configura “um tributo acessória da CSB, pois não remete para as normas de incidência desta”, sendo, antes, um imposto completo, uma vez que a Lei que o criou prevê os respetivos elementos essenciais, como a incidência subjetiva e objetiva.

Julgou-se, também, nesta segunda decisão arbitral que a definição legal da incidência subjetiva do ASSB viola o princípio constitucional da igualdade tributária. Com efeito, “o sector bancário é vítima de uma discriminação negativa face aos restantes sectores de atividade económica, o que é patente e não tem a menor justificação ou fundamento que o possa sustentar. Exige-se mais um imposto ao sector bancário para o financiamento da Segurança Social, mediante a consignação da receita do ASSB ao FEFSS, como se este sector da atividade económica estivesse em alguma situação de vantagem em sede das contribuições (contribuições das entidades bancárias e cotizações dos seus trabalhadores) ou tivesse algum especial dever de financiar a Segurança Social.”.

Entende, ainda, o Tribunal Arbitral que a criação do ASSB constitui uma violação do princípio da proporcionalidade, uma vez que o “caminho lógico”, espelho da proporcionalidade legislativa, seria o de agravar a tributação das operações bancárias sujeitas a Imposto do Selo.

O Tribunal Arbitral considera mesmo que o ASSB foi “uma solução legislativa arbitrária, totalmente desproporcionada relativamente à prossecução do fim que o legislador afirma que com ela pretendeu obter (reforço do financiamento da Segurança Social).”.

Em face do exposto, o Tribunal Arbitral declarou inconstitucional a norma relativa à incidência subjetiva do ASSB, por violação do princípio da igualdade tributária, na sua dimensão de exigência de generalidade dos impostos e violação do princípio da proporcionalidade legislativa.

O PRIMEIRO ACÓRDÃO DO TJUE DE 2023

O Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia foi proferido no dia 21 de dezembro de 2023, no âmbito do processo C-340/22.

O pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunal Arbitral tem por objeto a interpretação do artigo 49.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) e da Diretiva 2014/59/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014, que estabelece um enquadramento para a recuperação e a resolução de instituições de crédito e de empresas de investimento.

Na primeira questão o Tribunal Arbitral questiona se a Diretiva deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional que cria um imposto que onera o passivo das instituições de crédito, cuja forma de cálculo é alegadamente semelhante à das contribuições pagas por estas instituições ao abrigo desta diretiva, mas cujas receitas não são afetas aos mecanismos nacionais de financiamento de medidas de resolução.

Por seu turno, na segunda questão o Tribunal Arbitral pergunta, em substância, se a liberdade de estabelecimento garantida nos artigos 49.° e 54.° TFUE deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma regulamentação de um Estado Membro que cria um imposto cuja base de incidência é constituída pelo passivo das instituições de crédito residentes, bem como das filiais e sucursais das instituições de crédito não residentes, uma vez que a referida regulamentação permite deduzir capitais próprios e instrumentos de dívida equiparáveis a capitais próprios, que não podem ser emitidos por entidades sem personalidade jurídica, como estas sucursais.

Quanto à primeira questão, concluiu o Tribunal de Justiça da União Europeia que “[a] Diretiva 2014/59/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014, que estabelece um enquadramento para a recuperação e a resolução de instituições de crédito e de empresas de investimento e que altera a Diretiva 82/891/CEE do Conselho, e as Diretivas 2001/24/CE, 2002/47/CE, 2004/25/CE, 2005/56/CE, 2007/36/CE, 2011/35/UE, 2012/30/UE e 2013/36/UE e os Regulamentos (UE) n.° 1093/2010 e (UE) n.° 648/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional que cria um imposto que onera o passivo das instituições de crédito, cuja forma de cálculo é alegadamente semelhante à das contribuições pagas por estas instituições ao abrigo desta diretiva, mas cujas receitas não são afetas aos mecanismos nacionais de financiamento de medidas de resolução.”.

Por outro lado, e para o que aqui releva, considerou, em resposta à segunda questão, que “[a] liberdade de estabelecimento garantida nos artigos 49.° e 54.° TFUE deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma regulamentação de um Estado Membro que cria um imposto cuja base de incidência é constituída pelo passivo das instituições de crédito com sede situada no território desse Estado Membro, das filiais e das sucursais das instituições de crédito cuja sede se situa no território de outro Estado Membro, uma vez que a referida regulamentação permite deduzir capitais próprios e instrumentos de dívida equiparáveis a capitais próprios, que não podem ser emitidos por entidades sem personalidade jurídica, como essas sucursais.”.

O PRIMEIRO ACÓRDÃO DO TC DE 2024

O Acórdão n.º 149/2024 foi proferido pelo Tribunal Constitucional, em 27 de fevereiro de 2024, no âmbito do Processo n.º 638/2022, no qual foi constituído tribunal arbitral, tendo em vista uma pronuncia no sentido da anulação de uma decisão de indeferimento de reclamação graciosa que visou um ato de autoliquidação do ASSB relativo ao ano de 2020.

O Tribunal Constitucional começou por entender, mediante a transcrição de doutrina e jurisprudência, que “o ASSB só pode qualificar-se como imposto, pelo que a regra da proibição da retroatividade será aferida à luz do disposto no artigo 103.º, n.º 3 da Constituição. “.

De seguida, o Tribunal recorda que a norma transitória do artigo 21.º, nº 1, alínea a) “prevê que que a base de incidência prevista no Regime do ASSB, no caso do adicional de solidariedade devido em 2020, é calculada por referência à média semestral dos saldos finais de cada mês, que tenham correspondência nas contas relativas ao primeiro semestre de 2020 publicadas em cumprimento da obrigação estabelecida no Aviso do Banco de Portugal n.º 1/2019, de 31 de janeiro, que atualiza o enquadramento normativo do Banco de Portugal sobre os elementos de prestação de contas.”, concluindo que “[c]onsiderando que o ASSB foi criado pela Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, que entrou em vigor em 25/07/2020, salta à vista que os factos tributários principais se situam no passado relativamente à publicação e entrada em vigor daquele diploma.”.

Concluiu o Tribunal Constitucional que “é apenas o apuramento contabilístico do saldo médio do primeiro semestre de 2020 – e não o seu reflexo nas contas anuais – que releva para a incidência do imposto, pelo que a respetiva tributação por lei entrada em vigor em 25/07/2020 só pode ter-se como irremediavelmente retroativa e, consequentemente, violadora do disposto no artigo 103.º, n.º 3, da CRP. “.

Em face do exposto, o Tribunal Constitucional julgou inconstitucional a norma contida no artigo 18.º e 21.º, n.º 1, alíneas a), b) e c), da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, no segmento em que se estabelecem as regras de liquidação e pagamento do adicional de solidariedade sobre o setor bancário, previsto no regime que consta do Anexo VI à referida lei, relativo ao ano 2020, e, consequentemente, julgou o recurso improcedente.

O IMPACTO DAS DECISÕES MENCIONADAS

As últimas decisões dos tribunais judiciais e arbitrais terão, certamente, um impacto significativo no panorama fiscal e legal em Portugal, na medida em que o reconhecimento da inconstitucionalidade do ASSB, tanto por violação do princípio da não retroatividade da lei fiscal (concretamente para o ASSB do ano 2020), como por violação dos princípios de igualdade, capacidade contributiva e proporcionalidade, sublinha a necessidade de uma abordagem mais equitativa e coerente na criação de novos tributos.

Embora as decisões arbitrais produzam efeitos apenas entre as partes, prevê-se que, com o tempo, surja outro Acórdão do Tribunal Constitucional relativo à ASSB, não só do ano de 2020, mas também dos anos posteriores, e que se pronuncie sobre a (in)constitucionalidade das normas que criaram o ASSB, por violação dos princípios acima mencionados, e que se ordene, nessa sequência, a desaplicação dessas normas e o reembolso dos montantes indevidamente pagos pelos contribuintes com processos pendentes em Tribunal.

Quanto às decisões do TJUE em sede de reenvio prejudicial, apesar de não serem definitivas, têm efeito vinculativo para os tribunais nacionais, pelo que, também, por este motivo, se prevê uma mudança de paradigma no contexto nacional no que se refere a este tributo.

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Rogério Fernandes Ferreira
Vânia Codeço
José Pedro Barros
Álvaro Pinto Marques
Mariana Baptista de Freitas
Inês Reigoto
Leonor Gargaté Oliveira
Bárbara Malheiro Ferreira
Alice Ferraz de Andrade
Raquel Tomé Castelo

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